segunda-feira, 28 de março de 2011

Da guerra colonial e dos convívios militares


Os ex-militares da C.Artª.87 vão fazer o seu 10º convívio na cidade da Figueira da Foz no dia 28 de Maio (sábado) para comemorar a sua ida à guerra do Ultramar. É uma comemoração com um significado diferente do habitual, porque faz cinquenta anos no próximo dia 21 de Abri que embarcaram para Angola.
Tendo como unidade mobilizadora o extinto RAP 3, a unidade, que tinha inicialmente o nome de 2ª. Companhia de Artilharia, desfilou nesta cidade no dia 20 de Abril de 1961, com uma despedida sentida da maioria da população e das forças vivas da cidade, vendo-se algumas lágrimas nos olhos de muitos amigos e familiares dos expedicionários.
O contingente embarcou no dia seguinte (21) em Lisboa no cais das colunas no N/M Niassa, rumo à então Província Ultramarina de Angola. Foi das primeiras companhias de artilharia a seguir para o teatro da guerra que ali fora desencadeada pela UPA em 15 de Março na região dos Dembos.
Era constituída por 6 oficiais (incluindo um Alf.milº médico) 15 sargentos e 166 praças.
A C.Artª.87, regressou no dia 23 de Maio de 1963 em comboio especial à sua unidade de origem, tendo sido notícia em toda a imprensa local. A Voz da Figueira na sua edição de 30 de Maio de 1963, referindo-se ao evento, em grandes parangonas, dizia o seguinte: “A Figueira recebeu carinhosamente a Companhia do RAP 3 que depois de cumprir briosamente dois anos de soberania em Angola, regressou a esta cidade.” Com efeito o desfile dos expedicionários que começou na Estação da CP, foi vitoriado com  os aplausos carinhosos da população que enchia por completo a Rua da República e o largo Dr. Nunes junto à Câmara Municipal.
Não regressaram todos, porque houve duas mortes em campanha, dois oficiais continuaram em Angola em missão de serviço e cerca de 4 praças decidiram iniciar nova vida em África.
A campanha em Angola, porque feita num dos períodos mais conturbados da sua história, pôs à prova a coragem e a entreajuda dos jovens militares que, pela primeira viam a selva africana e ainda os cenários mais horríveis de destruição e morte que jamais poderiam ter imaginado na sua vida. Na realidade no norte de Angola na zona das fazendas e do café, via-se bem que a demência e a destruição pura e simples, nada tinham poupado em Março de 1961, poucos dias antes da nossa chegada. Crianças, mulheres, brancos e pretos, foram por igual, vítimas de uma sanha ainda hoje incompreensível.
Passou-se sede e fome. Dormia-se debaixo das viaturas militares, porque não havia acampamentos. Progredia-se no terreno de dia e de noite, debaixo de chuva e das flagelações do inimigo. Os jovens artilheiros que nada sabiam de caçadores, foram obrigados a fazer serviço de infantaria e a adaptar-se a uma guerra para a qual não estavam preparados, é preciso dizê-lo, mas fizeram o impossível para não desmerecer a honra de servir a Pátria e defender a vida e os bens dos seus compatriotas. Por isso, alguns antigos combatentes, ainda não fizeram a catarse da guerra. Daí, também, a razão e a necessidade destes convívios, enquanto vivos.


Sabemos que o sacrifício feito no passado, por uma ou mais gerações, que cumpriram o serviço militar obrigatório em África, é reconhecido pela maioria dos portugueses, mas há quem  o tenha em menos conta , chegando mesmo ao despautério de dizer que heróis foram os que fugiram à guerra. Afirmações como estas referidas no jornal Público do dia 17 de Março: (...) Há todo um apelo à mais pura infâmia, à cobardia dos que não desertaram e partiram para matar"...e feitas aqui e aqui, não deixam de ser um sinal dos tempos que vivemos.
Procurou-se com tais afirmações, atingir o PR que fez um discurso a elogiar os antigos combatentes dando-os como exemplo às novas gerações. Mas, apologia da inversão de princípios e valores que hoje se pretende incutir na sociedade, não deixa de ser sintomática e radica ou na ignorância e na falta de respeito pelos nossa história, ou na prossecução de outros interesses mais sombrios e inconfessáveis. 
Despretensiosamente o autor deste blogue, com a assinatura, J.Silva, rebateu a tese da deserção como se segue:


Em 1500 ocupar, desbravar, negociar, evangelizar e colonizar terras, na sua maior parte desertas, não era crime nenhum. Crime era o esclavagismo que aliás, foi abolido, e a exploração do trabalho. Mas esta também existe aqui hoje na Europa, em Paris e em Lisboa. A cultura portuguesa e a africana iam-se interligando e a miscigenação também. Fomos das Nações menos colonialista em África. Erros? Todos os cometeram… O nosso problema foi não se ter dado cumprimento ao sonho de Norton de Matos e fazer de Angola um novo Brasil (o grande erro de Salazar) pois, afinal, nem de lições de descolonização precisávamos, como nos quiseram dar mais tarde os USA desde Kennedy (e não só) incitando os naturais de Angola à revolta, esquecendo-se que eles próprios reprimiram e devastaram tribos inteiras de índios (deixando só alguns para amostra) numa terra que não era deles e que ocuparam pela força. Quase todos os países da Europa colonizaram à época. Não faz sentido portanto que se faça a auto-flagelação daquilo que fomos e fizemos no passado o que não deixa de ser um pouco idiota, o que leva, aliás, a incensar por arrastamento, os desertores e os apátridas, precisamente aquilo que os negros não queriam ser. Quem tem valor afinal? Exemplifiquemos: são ou não os combatentes que foram para Angola em Março de 61, defender a vida e bens dos seus compatriotas, dos brancos e até dos negros vítimas da horda selvagem que se abateu no norte de Angola que provocou em poucos dias mais de 6.000 mortes? A hecatombe foi de tal ordem que até Holden Roberto que se encontrava nessa altura com Kennedi, teve vergonha de se assumir como um dos mandatários do genocídio.
Concedemos que a descolonização, mesmo depois dos acontecimentos, pecou por tardia. Todos os países colonizadores, combateram revoltas, justas ou não, e defenderam os seus compatriotas quando isso se impunha. Porque razão o havíamos de fazer por menos?
O slogan África para os Africanos (negros) é a coisa mais estúpida e mais racista que se forjou ao de cima da terra. Mas ele emergiu por razões de cobiça das grandes potências que quiseram controlar e roubar, aliás com êxito, as riquezas alheias, os direitos dos naturais e históricos de quem já estava.
Em síntese: escrevam o que quiserem sobre o tema, mas haja um pouco de decoro e vergonha ao fazerem, sub-repticiamente, a apologia do esquerdismo irresponsável, porque os que combateram em África, com vontade ou não, com razão ou sem ela, que entendiam até que a independência, controlada, era o melhor caminho para todos, são mais importantes do aqueles que os criticam. Só por uma razão muito simples. As FA não têm, ou não deviam ter, ideologias; os militares cumprem com o seu dever para com a Pátria, quando esta o exige, seja em que circunstâncias forem. E porque muitos não pensam assim; porque perderam o sentido do dever em todas as latitudes da vida e só se reconhecem com direitos, é que chegámos aonde chegámos!…

Uma última nota:
Não se pretende fazer aqui a apologia dos falcões ou do deus Marte nem do anterior regime; muito pelo contrário. Quase todos os portugueses foram prejudicados por uma guerra que ninguém desejou, mas que não pudemos deixar de enfrentar dadas as circunstâncias da época. Todavia, há valores que não podemos ignorar ou deixar de defender porque eles são a essêncida da vida em sociedade e o sustentáculo de qualquer País digno desse nome.

PS:por lapso, na pergunta feita na segunda parte do texto, faltou a frase "ou não" que foi acrescentada posteriormente.

1 comentário:

  1. Cumpre-me dizer que o Comandante da C.ARTª. 87, era, ao tempo, o Sr. Capitão de Artilharia, Guy Stélio Pereira de Magalhães, distinto oficial, hoje Coronel na reforma do qual tenho gratas recordações.

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