quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A carta mais famosa em língua portuguesa

 


"Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as vergonhas".

Primeiro foram ervas compridas a que os mareantes chamaram rabos-de-asno. Passaram ao lado das naus. Depois foram os fura buchos, gaivotas. Enfim, avistou-se um grande cimo (a que se chamaria Monte Pascoal, por causa da quadra). Era quarta-feira, 22 de Abril de 1500. Ao fim de 44 dias de viagem, a armada de Pedro Álvares Cabral, encontrou terra a Ocidente e não para onde ia, a caminho da Índia. No dia seguinte o capitão Nicolau Coelho, que tinha estado com Vasco da Gama na viagem inaugural da rota da Índia, foi mandado de batel à praia junto a um rio. Aí 18 homens esperavam os portugueses.
 Pero Vaz de Caminha, o cronista de bordo o encontro amistoso e o “achamento” da nova terra. Descreveu de forma brilhante, com minúcia e estilo numa carta que foi enviada ao rei D. Manual. O capitão Nicolau Coelho deu aos índios um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um sombreiro preto; em troca recebeu um cocar de plumas e um colar de contas brancas. O Brasil pode queixar-se de muita coisa sobre a colonização portuguesa, mas de uma, pelo menos, tem de estar orgulhoso: é um país com rara «certidão de nascimento».
 Comentário de Miguel Torga: «Diante da carta de Pero Vaz de Caminha até me vieram as lágrimas aos olhos.» (Diário XIV)."

As naus das viagens marítimas portuguesas levavam, desde meados do século XIV, um escrivão para contar o que se fazia. Pêro Vaz de Caminha, nascido no Porto, seguia na frota de Cabral para ser feitor em Calecute, Índia. Era um escritor feito e culto, fora mestre da Balança da Moeda, no Porto e  era cavaleiro da Casa Real. A sua carta do achamento foi publicada pela primeira vez em 1817, no Brasil, para onde deve ter ido com a corte de D. João VI, em fuga por causa das invasões napoleónicas. O padre Manuel Aires do Casal, que a editou, cortou partes, «por indecorosas». A frota só ficou dez dias no Brasil, partiria a 2 de Maio, continuando para o destino inicial, Índia. Em terra ficaram cinco grumetes, que desertaram, e dois degredados, chorando, porque obrigados. Tão pouco tempo de estada, não deu tempo para o escrivão Pêro Vaz de Caminha se dar tempo do rico país em que esteve. Assim na carta a el-rei-em que fala exclusivamente dos dias brasileiros-fez votos para que D. Manuel se interessasse por razões espirituais:
 «Nela (a nova terra do Brasil) até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro nem lho vimos. Porém, a terra em si é de muitos bons ares, assim frios e temperados, com os de Entre-Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.»
Depois de ter escrito a sua célebre carta, Pêro Vaz de Caminha não teve mais um ano para viver. A feitoria de Calecute foi atacada em Dezembro de 1500 e entre os mortos estava o autor da carta mais famosa em língua portuguesa."

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Queres fiado? Toma!

 


Queres fiado? Toma! Desde 1875.

"A figura do zé-povinho a fazer o gesto do manguito, tinha uma legenda de marca: "Queres fiado? Toma! Criado pelo humorista e artista plástico Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905, o zé-povinho tornou-se a caricatura do português, ignorante, bronco, desconfiado, mas facilmente manipulado. Surge nas inúmeras desenhadas por Bordalo como o povo vítima do poder..., e que hoje ainda o é...até ao dia em que se levantar e deitar abaixo a albarda e com ela todos os que engordam à custa do seu trabalho. Nas Caldas da Rainha onde tinha um ateliê de cerâmica, Bordalo também o criou, em barro, com forma de tinteiro, cinzeiro ou simples estatueta.
O primeiro zé-povinho apareceu na revista satírica A Lanterna Mágica, em 1875, mas o desenho acompanharia Bordalo por todas as revistas onde o artista andou. Zé-povinho: sempre crítico aos partidos, fosse ele regenerador ou progressista, que permutavam entre si o poder, fazendo-hes o manguito, o seu gesto preferido, ou outro gesto do zé, coçando com a mão o cabelo farto, hesitante, eterno enganado.
"Um dia virá talvez em que ele mude de figura e mude também de nome para, em vez de se chamar zé-povinho, se chamar simplesmente POVO, desejou um seu contemporâneo, João Ribaixo, aliás, Ramalho Ortigão. «Um dia...virá.«Virá?"
In: Frases que fizeram a História de Portugal.