(…) Digo isto para que fique bem claro que sou homem de paz, nada dado a
revoltas e violências, o que não impede que, sonhando acordado, me veja a
conceber estratégias para solucionar a nossa desgraça, às vezes perguntando quantos
serão os senhores que detêm o poder em Portugal. Serão seiscentos? Setecentos? Mais
do que isso não serão, tenho quase a certeza que aos mil não chegam, e se uma
tarde se agrupassem no Terreiro do Paço junto da estátua, com tanto turista que
por ali anda nem se daria por eles.
Compare-se agora essa mão-cheia de poderosos com os dez milhões que somos, e a
conclusão impõe-se: não se trata de desequilíbrio, mas de um absurdo, nada
saudável para eles e para nós de proveito nulo. Por vias travessas levou-me
isso a pensar na batalha de Aljubarrota, quando trinta mil deitaram a fugir
diante de sete mil, mas a comparação é trôpega, pois nem nós nos vemos medrosos
como os castelhanos, nem os senhores do poder mostram o talento do Condestável.
De modo que a solução terá de vir por outros meios, mas é bom que não demore e
eles se dêem conta de que assim não for só perde quem tem. Nós, os dez milhões,
pouco temos para perder.
J. Rentes de Carvalho-O País do Solidó.
Pós-texto:
Depois de ler na íntegra o fundamental do livro em apreço, não posso deixar de
fazer o despretensioso comentário que se segue:
Tal como J. Rentes de Carvalho, acredito que há muitos portugueses a sonhar
acordados e a conceber estratégias para solucionar as nossas desgraças que são
algumas com destaque para a corrupção. Com efeito somos o País do Solidó que é
o mesmo que dizer do Tiro-liro-liro e do Tiro-liro-ló. Só que os protagonistas
do Tiro-liro-liro, são os que estão lá em cima e mandam no país e fazem o que
querem.
Cá em baixo está o tiro-liro-ló que é o povo, cuja vontade de cantar e dançar a
concertina é cada vez menos devido ao elevado custo de vida, aos impostos, ao
desemprego e à corrupção para a qual não existe um combate sério. O pretexto da
“presunção de inocência” e os offshores são as passadeiras na auto-estrada da corrupção e do
enriquecimento ilícito frequentemente usadas por figuras gradas do regime que
aproveitam os alçapões da lei para escapar à justiça.
Fomos heróis do mar e nobre povo? Seguramente que fomos. Mas, nas actuais
circunstâncias, estamos longe de o ser.
Hoje lutar pela Pátria não é marchar
contra os canhões que é um conceito ultrapassado. O 25 de Abril terá feito
algum bem? Claro que fez, mas este “venha a nós a roubalheira” tem de ser combatido
com coragem e patriotismo e uma nova adenda à letra do hino nacional português:
“contra os ladrões,” marchar, marchar…