sábado, 20 de agosto de 2011

O Sonho e a Realidade

No meu último post “sonhei” que tive um diálogo com o Infante D. Henrique.

O tal sonho provocou-me pesadelos na noite seguinte, porque não só não gostei do que o Infante me disse, mas porque houve também alguém que não gostou do que leu…

Jurei a mim próprio que não iria escrever mais ou ler fosse o que fosse durante este meu período de férias.

Mas esta minha mania de ler e de escrever, já vem desde miúdo e ontem dei comigo, não a sonhar, mas a ler a realidade de que nos dá conta a imprensa diária.

Despertou-me particular atenção a privatização da RTP, que custa a cada cidadão três euros por mês (uma fortuna...) e das Águas de Portugal que está na ordem do dia.

Há quem diga que “a privatização das Águas de Portugal será desastrosa.”

Desastrosa será certamente para os cidadãos. E eu que o diga e os figueirenses, porque, desde que a Câmara Municipal entregou a exploração do precioso líquido às Águas da Figueira, sabemos bem quanto nos custa a factura.

A tendência para privatizar hoje tudo, assenta no pressuposto de que se conseguem menos encargos para o Estado e de que a auto-regulação dos mercados é a panaceia capitalista que tudo resolve. Mas, a “auto-regulação dos mercados é uma mentira” e a prová-lo está a actual crise mundial e a que particularmente estamos a viver, onde sobressai o caso BPN em que falhou uma fiscalização eficiente  por parte do Estado (BdP).

Privatiza-se o que dá lucro; nacionaliza-se o que dá prejuízo.

Um dia destes ainda acordamos com privatização geral da saúde, da segurança social, e das forças de segurança, que já desconfiam desta política avulsa que só defende os interesses  neoliberais da UE,  dos clãs do poder e da srª Merkel,  que não os verdadeiros interesses nacionais.

A sanha quase persecutória e cega de privatizar a todo o custo é tanta, que qualquer dia privatizam o mosteiro da Batalha e dos Jerónimos e, embora não morra de amores por Saramago, neste contexto das privatizações, concordo com ele quando diz nos seus cadernos de Lanzarote:

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos.
E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a p. que os pariu a todos.»




4 comentários:

  1. Caro Zéfoz
    Saramago tem razão; só não concordo com a parte final, mais escabrosa, porque as mães deles podem não ter culpa nenhuma!...

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  2. Caro Zefoz, Eu tomei a liberdade de transcrever o pensamento de um jornalista Uruguaio para juntar ao teu Sonho e Realidade.

    O Direito de Sonhar - Eduardo Galeano

    Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948.
    Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede.
    Deliremos, pois, por um instante.
    O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão.
    Nas ruas e avenidas, carros vão ser atropelados por cachorros.
    O ar será puro, sem o veneno dos canos de descarga, e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões.
    O povo não será guiado pelos carros, nem programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV.
    A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar ou uma máquina de lavar roupas.
    Vamos trabalhar para viver, em vez de viver para trabalhar.
    Em nenhum país do mundo os jovens vão ser presos por contestar o serviço militar. Serão encarcerados apenas os quiserem se alistar.
    Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem de qualidade de vida a quantidade de coisas.
    Os cozinheiros não vão mais acreditar que as lagostas gostam de ser servidas vivas.
    Os historiadores não vão mais acreditar que os países gostem de ser invadidos.
    Os políticos não vão mais acreditar que os pobres gostem de encher a barriga de promessas.
    O mundo não vai estar mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza.
    E a indústria militar não vai ter outra saída senão declarar falência, para sempre.
    Ninguém vai morrer de fome, porque não haverá ninguém morrendo de indigestão.
    Os meninos de rua não vão ser tratados como se fossem lixo, porque não vão existir meninos de rua.
    Os meninos ricos não vão ser tratados como se fossem dinheiro, porque não vão existir meninos ricos.
    A educação não vai ser um privilégio de quem pode pagar por ela.
    A polícia não vai ser a maldição de quem não pode comprá-la.
    Justiça e liberdade, gêmeas siamesas condenadas a viver separadas, vão estar de novo unidas, bem juntinhas, ombro a ombro.
    Uma mulher - negra - vai ser presidente do Brasil, e outra - negra - vai ser presidente dos Estados Unidos.
    Uma mulher indígena vai governar a Guatemala e outra, o Peru.
    Na Argentina, as loucas da Praça de Maio vão virar exemplo de sanidade mental, porque se negaram a esquecer, em tempos de amnésia obrigatória.
    A Santa Madre Igreja vai corrigir alguns erros das Tábuas de Moisés.
    O sexto mandamento vai ordenar: "Festejarás o corpo".
    E o nono, que desconfia do desejo, vai declará-lo sacro.
    A Igreja vai ditar ainda um décimo primeiro mandamento, do qual o Senhor se esqueceu: "Amarás a natureza, da qual fazes parte".
    Todos os penitentes vão virar celebrantes, e não vai haver noite que não seja vivida como se fosse a última, nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

    Eduardo Galeano (1940) é jornalista e escritor uruguaio. O texto foi publicado no diário argentino Página 12, em 29 de outubro de 1997, com o título "El derecho de soñar".
    Um abraco,
    A Gomes

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  3. Meu amigo

    Claro que as mães não têm culpa nenhuma.
    Mas o que interessa aqui sublinhar é o pensamento de Saramago que critica uma sociedade cujo objecto não é o sujeito mas sim o vil interesse de quem faz do capital a sua pátria e do cifrão a sua bandeira.

    Estamos a assistir à impotência do Estado, para garantir a independência Nacional por um lado e de criar as condições mínimas de sobrevivência, por outro, ao cidadão comum e não só, que se debate, hoje com as maiores dificuldades a começar pela falta de emprego e esperança de se realizar,num país, onde só a alguns políticos e respectivos clãs e apaniguados, isso é permitido.
    Em síntese o que nos está a acontecer pode resumir-se nesta frase que li algures:

    «Vivemos numa época que promove os sonhos tecnológicos mais delirantes e que está em vias de não conseguir manter os serviços públicos mais indispensáveis nem a realização mais comezinha dos cidadãos».

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  4. Meu caro António Gomes

    Só agora me apercebi da tua intervenção feita aí do Canadá, mas respondi em primeiro lugar ao anónimo do dia 20, que iniciou os comentários.

    É lindo o texto do jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, que tivestes a amabilidade de transcrever e que corresponde aos mais íntimos desejos das pessoas bem formadas. Mas, infelizmente (não sei se reparaste) ele começa por dizer:"Deliremos, pois, por instantes".

    Temo que depois de tantos esforços por um Portugal e um mundo melhores, por parte da maioria dos portugueses da nossa geração, que sentiram na pele o que é fazer pela vida, isso não passe mesmo de um delírio.

    Pessoalmente estou muito céptico.
    Mas, pode ser que o sonho se torne realidade.
    A esperança, afinal, é a última a morrer!...
    Abraço.

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